Diante da crise de deslocamento sem precedentes, Brasil e outros países das Américas oferecem exemplos de solidariedade e integração

O número de pessoas deslocadas à força em todo o mundo alcançou um patamar sem precedentes de 122,1 milhões em abril de 2025. Esse dado alarmante, divulgado pelo  Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) em seu Relatório Anual de Tendências Globais, marca o décimo ano consecutivo de aumento anual. A situação é ainda mais preocupante diante dos cortes brutais no financiamento humanitário, que expõem milhões a uma vulnerabilidade ainda maior. A única nota positiva, destacada pelo ACNUR, é o aumento dos retornos, especialmente para a Síria.

Os grandes conflitos em curso, como os do Sudão, Mianmar e Ucrânia, são os principais motores desse deslocamento em massa. Filippo Grandi, Alto Comissário da ONU para Refugiados, enfatiza a necessidade urgente de redobrar os esforços pela paz e encontrar soluções duradouras para os refugiados e outras pessoas forçadas a fugir de suas casas.

O Cenário Global e Regional do Deslocamento

Das 122,1 milhões de pessoas deslocadas, 73,5 milhões são deslocados internos, ou seja, foram forçadas a se mudar dentro de seus próprios países. Os refugiados, que cruzaram fronteiras internacionais, somam 42,7 milhões. O Sudão, com 14,3 milhões de pessoas deslocadas, infelizmente superou a Síria (13,5 milhões) como o país com o maior número de deslocados. Afeganistão (10,3 milhões) e Ucrânia (8,8 milhões) também enfrentam crises humanitárias de grandes proporções.

Nas Américas, a crise de deslocamento afeta profundamente a região, com 21,9 milhões de pessoas deslocadas assistidas ou protegidas pelo ACNUR até o final de 2024. Isso representa 17,6% do total global. O crime e a insegurança se tornaram as principais causas de deslocamento interno, com o Haiti registrando um triplo aumento em 2024, ultrapassando 1 milhão de deslocados, e a Colômbia abrigando cerca de 7 milhões de deslocados internos.

Apesar dos desafios, José Samaniego, diretor regional do ACNUR para as Américas, aponta que muitos países da América Latina e do Caribe têm demonstrado resiliência, mantendo suas fronteiras abertas e avançando na proteção e integração das populações deslocadas. Globalmente, 67% dos refugiados permanecem em países vizinhos, e 73% são acolhidos por nações de baixa e média renda. A maioria dos refugiados e migrantes venezuelanos, por exemplo, encontra abrigo em países como Colômbia, Peru, Brasil, Chile e Equador.
Brasil: Liderança no Acolhimento e o Dilema do Financiamento

O Brasil tem se destacado como uma liderança regional nos processos de acolhimento, proteção e integração de refugiados, segundo Davide Torzilli, representante do ACNUR no país. Iniciativas como a Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apátridas (Comigrar), a Estratégia de Interiorização da Operação Acolhida (que já facilitou a integração de cerca de 150 mil venezuelanos) e o Programa Brasileiro de Reassentamento e Patrocínio Comunitário para Afegãos são exemplos desse compromisso.

Estudos recentes de instituições financeiras internacionais comprovam as contribuições sociais e econômicas positivas dos refugiados e deslocados nos países de acolhida, incluindo o impulso ao crescimento do PIB, a criação de empresas formais, a contribuição para a arrecadação fiscal e o fortalecimento dos sistemas de seguridade social. Samaniego ressalta que acolher e integrar essa população não é apenas um imperativo humanitário, mas também uma significativa oportunidade socioeconômica.

No entanto, o panorama é sombrio quando se trata do financiamento humanitário. Apesar do número de pessoas deslocadas ter quase dobrado na última década, o financiamento do ACNUR está estagnado em níveis semelhantes aos de 2015. Nas Américas, a redução de financiamento forçou o ACNUR a cortar atividades essenciais, como assistência humanitária, assessoria jurídica, serviços de saúde e apoio à documentação. Samaniego alerta que esses cortes podem prejudicar gravemente a capacidade de resposta humanitária e os esforços de integração na região.

A sustentabilidade da resposta humanitária global depende do apoio contínuo da comunidade internacional, do setor privado e de atores financeiros e de desenvolvimento, para que a solidariedade, proteção e soluções para os deslocados possam ser mantidas.

Participantes do Rio Refugia   





Foto:© PARES Cáritas RJ/Luciana Queiroz




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